Friday, November 22, 2019

hello again

É ferida aberta, meu amor.

Ferido sim, porque a vida lhe bateu tanto, tanto e nunca houve ninguém para salvá-lo — dizem que os fortes não precisam de proteção, mas você, Hiroki, sempre foi fraco. Menor que os outros, pior que os outros, franzino, magrelo, pele alva, tão alva, que convidava a violência, mesmo antes de ter recebido o primeiro tapa. Talvez tenha até merecido, talvez apenas sejam assim que as coisas são: uns precisam descer até o inferno e lá permanecer.

[E se não você, quem mais?]

Em algum momento chegou até mesmo a tomar gosto pela coisa, veja só, e agora só sabe se expressar através de violência. Ossos que se partem com a força dos golpes e hematomas esverdeados que levam semanas inteiras para curar — e as cicatrizes, ah, elas estão n’alma, porque mesmo que o corpo seja capaz de se curar sozinho, ainda sobra resquício que se espalha dentro de você como veneno e alimenta o ciclo vicioso daquilo que se tornou.

[Yuuji te entende tão bem, você pensa
Ele te dá tudo aquilo que você não tem coração de pedir]

Merece até, merece sentir a dor porque ela é a única prova de que ainda há ar em seus pulmões e sangue lhe correndo o corpo. Precisa que faça doer para sentir que está vivo, que sequer chega a existir — afinal, a realidade é tão traiçoeira. Nebulosa. Você não pode confiar nela tão mais do que pode confiar em si próprio; são ambos feitos de pedaços desordenados, cuja a narrativa se faz por jogo de farsa e ocultação.

Mas a dor lhe traz à superfície e impede de se afogar. É tudo aquilo que restou, que você se sente no direito de roubar. E se é um fardo a carregar, ao menos é seu e somente seu.

De mais ninguém ninguém.

(Escrito em 11 junho de 2018)

Sunday, May 10, 2015

Day 30 — Your reflection in the mirror

Eu poderia passar horas e horas falando sobre a sua aparência, mas sei que na verdade não é ela que me incomoda.

É todo o resto.

Quando eu olho pra você ― para nós ― tudo o que eu enxergo é fracasso. Pode parecer cruel dizer isso, mas, felizmente, eu sou a única pessoal que será completamente honesta com você, mesmo que isso doa como o inferno ― e eu sei que dói. E no final eu sou a única pessoa que nunca vai te abandonar porque, vamos ser sinceras, todo o restante do mundo sempre vai acabar te deixando, cedo ou tarde. Você não sabe lidar com as pessoas e você definitivamente não sabe manter as poucas amizades que possui, então o resultado é óbvio, não é? Todo mundo vai se cansar e procurar coisas melhores pra fazer.

E você já deveria ter se acostumado com isso ― na verdade, você já se acostumou e isso é pior ainda. Porque você já nem sequer espera, sabe? Você simplesmente desiste e se isola.

Então eu olho pra você ― e é bem mais fácil falar como se você fosse outra pessoa, não é? E não simplesmente eu. É mais fácil me distanciar e fingir que o problema não é comigo, como se houvesse uma única parte de mim que carrega todos os defeitos, isolada e desconectada do restante, e agir como se essa parte pudesse ser enterrada e esquecida em algum lugar obscuro quando na verdade não pode ―, eu olho pra você e tudo o que eu enxergo são todas as coisas que nós queríamos ser; tudo o que nós nunca seremos. Porque eu sei, é claro que eu sei. Eu sei porque é esse medo que vive constantemente dentro de mim, que sempre viveu, e eu sei porque a cada dia que passa ― a cada maldito dia que você continua não sendo nada de especial, não fazendo nada de especial ― esse medo só cresce.

O nosso tempo está acabando.

O nosso tempo está acabando e parece, às vezes, que o nosso mundo parou quando tínhamos quinze anos. Sempre os mesmos dramas, sempre os mesmos medos e sempre as mesmas inseguranças. Nós paramos no tempo, você e eu, e nós nunca aprendemos como se deve ser adulta ― nós nunca descobrimos qual era o próximo passo a seguir.

E você se lembra dos seus sonhos antigos? De crescer e finalmente poder deixar tudo isso para trás? De ser feliz? Até que um dia você descobriu que você nunca conseguiria ser feliz ― não como as outras pessoas pelo menos. Não como as pessoas normais.

E aqui estamos nós ― aqui está você ― com duas décadas desperdiçadas e nada que preste pra compartilhar, incerta sobre o próprio futuro e sem um pingo de vontade de viver.

E o que você faz? Nada.
Você nunca faz nada.

Porque você não tem força, você não tem determinação. Você apenas sabe ficar ai, lamentando todos os seus defeitos e agindo como se você fosse uma maldita vítima o tempo todo. Sentindo pena de si mesma a cada segundo que passa.

E é deprimente, é claro que é. E é triste porque parece que essa é a única coisa que você sabe fazer. Lamentar e desejar sumir. Vez após outra após outra, como um maldito disco quebrado. Sem nunca evoluir, sem nunca andar para frente.

Então você se olha nos espelho
Você detesta tudo o que vê.

Mas você sabe também que nunca conseguirá mudar.

Eu só queria ser boa em uma coisa ― qualquer coisa.
Eu só queria não me sentir um completo fracasso o tempo todo.
Eu só queria não me sentir como se eu fosse tão descartável.

Completa e terrivelmente descartável.
Medíocre.

Wednesday, March 11, 2015

Alfabeto

Astronautas
Buscam pelo
Cosmos por vida
Descobriram, no entanto, que
Ets não passam de
Falsas ilusões
Grandes desejos
Hipotéticos
Ilumindando o
Jardim de sonhos, escritos em
Klingon e perdidos na grande
Lagoa que banha o
Mundo
Na infinita
Obscuridade do espaço
Pessoa insignificantes
Que pensam serem importantes, mas sabem que
Ruídos não se propagam no vácuo
Sozinhos
Todos estamos sozinhos no
Universo
Verdades de
Warterloo ditas por
Xénofóbicos que passam o dia no
Youtube
Zanzando pela internet e sonhando com as maravilhas da ficção científica


(escrito para a oficina de escrita criativa, julho de 2014)

Repetição

Ele era o mundo e sentia o univero inteiro dentro de si. Ele era o nada, o vazio desesperador da existência. Ele era comum, com suas funções humanas e medíocres e olhos castanhos. Ele era o mar em uma manhã de calmaria e um vulcão em erupção em noites de tempestade. Ele era a poesia e o silêncio, assim, tudo ao mesmo tempo.

Ele era apenas mais um na multidão, alguém sem importância.

Ele era.
Ele é.


(escrito para a oficina de escrita criativa, julho de 2014)

Breathe

Encarava o apartamento vazio com os olhos vidrados de alguém que já não tem mais nada a perder. Não vazio no sentido literal da palavra, pois toda a mobília continuava ali ― peças projetadas e decoração escolhida apenas por ele, o seu traço presente em todos os cômodos do local. Uma das poucas coisas que ele havia deixado, uma das únicas provas materiais de que ele havia passado por aquele mundo.

E os quadros, vasos e móveis estavam no mesmo lugar há tanto, tanto tempo ― hoje fazia sete anos ―, exatamente do jeito que ele havia deixado, como se a qualquer momento ele finalmente pudesse voltar para casa. Mas isso jamais aconteceria e já havia até mesmo se conformado. Não esperava mais fantasmas a baterem à porta, nem a risada alta e deleitosa a preencher o silêncio seco do ambiente. Não esperava mais nada, não depois de tanto tempo. Dois mil, quinhentos e cinquenta e seis dias no total. Ainda assim, parecia que havia sido ontem.

Era engraçado, de uma maneira cruel e completamente distorcida, em como um local poderia parecer tão vazio mesmo que nada estivesse fora do lugar, em como todo o calor e o conforto poderiam sumir como por mágica, deixando nada além do abandono e da frieza para trás. E, afinal, não era isso que aquele local havia se tornado? Apenas um apartamento abandonado ― um refúgio ineficaz para o qual ele poderia fugir, mergulhando fundo em toda a tristeza e nostalgia que tanto havia lutado para reprimir por todos aqueles anos.

Ainda se lembrava claramente de todos os momentos vívidos ali, de todos os dias em que passara por aquela porta após um dia de trabalho, sendo recebido com um beijo e um abraço ― o suficiente para fazer com que todo o cansaço do dia desaparecesse. Ainda se lembrava de todos os beijos e carícias trocadas, da maciez dos lábios alheios contra o seu e a forma inocente como se aconchegavam um no outro durante as noites gélidas de inverno.

Porém, a essa altura até mesmo as memórias se tornavam borradas e apagadas por detrás dos seus olhos. Era cada vez mais difícil se lembrar de seus traços sem a ajuda das fotografias e, pouco a pouco, os detalhes mais irrelevantes lhe fugiam da mente. Apenas uma prova das limitações do próprio corpo ou simplesmente um mecanismo de defesa natural para tentar aliviar o sofrimento. Mas não havia como. Aqueles que diziam que o tempo curava todas as feridas apenas mentiam para si mesmos; eles esqueciam, mas jamais superavam. E enquanto as lembranças não cessavam por completo a ferida apenas aumentava, o buraco se tornando mais e mais largo, mais e mais profundo, engolindo cada pedacinho de felicidade que ainda pudesse existir dentro de si. E a cada dia ele morria, a cada característica esquecida ele perdia um pedaço de si.

Sabia que era impossível seguir em frente, mesmo que para todos os outros sua máscara de normalidade nunca houvesse saído do lugar. Era apenas ali, naquele seu santuário intocado pelo tempo, que ele finalmente se permitia desabar. Era apenas ali que sentia as pernas cederem diante do peso do mundo ― o peso da existência, do luto, da dor.

Era apenas ali, ajoelho no chão do local que uma vez havia chamado de lar, que ele finalmente aceitava sua sina: estava vivendo apenas para respirar.

Monday, January 5, 2015

E às vezes você pensa incansavelmente sobre a sua vida, sobre o motivo de você estar aqui e ter que acordar dia após dia para viver a mesma rotina medíocre e sem valor. E às vezes você simplesmente não consegue achar um motivo para tudo isso, nem para estar vivo, nem para respirar, nem para todas essas coisas com as quais os outros se importam tanto. Nada disso tem um sentido, ao menos não para você. 

A existência não passa de um mero acaso do destino, uma possibilidade entre milhares, bilhares, trilhares. E não importa, sabe. Nada do que você faz importa no final. Você apenas vai morrer e seu corpo apodrecerá nesta terra, sem qualquer utilidade especial. Vai virar adubo, eles dizem.

Apenas espaço.

Espaço desperdiçado. Espaço vazio. Vazio de tudo o que você poderia ser, mas nunca foi. E nunca foi porque não há motivo pra ser, lembra? Não há motivo pelo qual lutar, não há motivo pelo qual viver.

Mas então, porque é mesmo que você continua aqui?

Porque você simplesmente não põe um fim nesse seu lento e doloroso sofrimento? 

Você não sabe responder, nunca soube. Talvez você seja um nada, é verdade. Talvez você não seja absolutamente nada especial. Talvez você queira morrer. Mas é justamente o fato de você ser alguma coisa, mesmo que pequena e quebradiça, que torna tudo tão difícil de desistir. Porque você apenas sabe como ser. O não-ser, aquele termo que você nunca conseguiu compreender totalmente, lhe parece tão abstrato. Tão sem sentido.

Apenas outro vazio.

E não, você não precisa trocar um vazio pelo outro.
Pelo menos, não agora.

Agora você apenas pode guardar sua vontade de desistir em algum cantinho afastado e escuro dentro de si. Ninguém precisa saber.

E ninguém, de fato, sabe.