Wednesday, March 11, 2015

Alfabeto

Astronautas
Buscam pelo
Cosmos por vida
Descobriram, no entanto, que
Ets não passam de
Falsas ilusões
Grandes desejos
Hipotéticos
Ilumindando o
Jardim de sonhos, escritos em
Klingon e perdidos na grande
Lagoa que banha o
Mundo
Na infinita
Obscuridade do espaço
Pessoa insignificantes
Que pensam serem importantes, mas sabem que
Ruídos não se propagam no vácuo
Sozinhos
Todos estamos sozinhos no
Universo
Verdades de
Warterloo ditas por
Xénofóbicos que passam o dia no
Youtube
Zanzando pela internet e sonhando com as maravilhas da ficção científica


(escrito para a oficina de escrita criativa, julho de 2014)

Repetição

Ele era o mundo e sentia o univero inteiro dentro de si. Ele era o nada, o vazio desesperador da existência. Ele era comum, com suas funções humanas e medíocres e olhos castanhos. Ele era o mar em uma manhã de calmaria e um vulcão em erupção em noites de tempestade. Ele era a poesia e o silêncio, assim, tudo ao mesmo tempo.

Ele era apenas mais um na multidão, alguém sem importância.

Ele era.
Ele é.


(escrito para a oficina de escrita criativa, julho de 2014)

Breathe

Encarava o apartamento vazio com os olhos vidrados de alguém que já não tem mais nada a perder. Não vazio no sentido literal da palavra, pois toda a mobília continuava ali ― peças projetadas e decoração escolhida apenas por ele, o seu traço presente em todos os cômodos do local. Uma das poucas coisas que ele havia deixado, uma das únicas provas materiais de que ele havia passado por aquele mundo.

E os quadros, vasos e móveis estavam no mesmo lugar há tanto, tanto tempo ― hoje fazia sete anos ―, exatamente do jeito que ele havia deixado, como se a qualquer momento ele finalmente pudesse voltar para casa. Mas isso jamais aconteceria e já havia até mesmo se conformado. Não esperava mais fantasmas a baterem à porta, nem a risada alta e deleitosa a preencher o silêncio seco do ambiente. Não esperava mais nada, não depois de tanto tempo. Dois mil, quinhentos e cinquenta e seis dias no total. Ainda assim, parecia que havia sido ontem.

Era engraçado, de uma maneira cruel e completamente distorcida, em como um local poderia parecer tão vazio mesmo que nada estivesse fora do lugar, em como todo o calor e o conforto poderiam sumir como por mágica, deixando nada além do abandono e da frieza para trás. E, afinal, não era isso que aquele local havia se tornado? Apenas um apartamento abandonado ― um refúgio ineficaz para o qual ele poderia fugir, mergulhando fundo em toda a tristeza e nostalgia que tanto havia lutado para reprimir por todos aqueles anos.

Ainda se lembrava claramente de todos os momentos vívidos ali, de todos os dias em que passara por aquela porta após um dia de trabalho, sendo recebido com um beijo e um abraço ― o suficiente para fazer com que todo o cansaço do dia desaparecesse. Ainda se lembrava de todos os beijos e carícias trocadas, da maciez dos lábios alheios contra o seu e a forma inocente como se aconchegavam um no outro durante as noites gélidas de inverno.

Porém, a essa altura até mesmo as memórias se tornavam borradas e apagadas por detrás dos seus olhos. Era cada vez mais difícil se lembrar de seus traços sem a ajuda das fotografias e, pouco a pouco, os detalhes mais irrelevantes lhe fugiam da mente. Apenas uma prova das limitações do próprio corpo ou simplesmente um mecanismo de defesa natural para tentar aliviar o sofrimento. Mas não havia como. Aqueles que diziam que o tempo curava todas as feridas apenas mentiam para si mesmos; eles esqueciam, mas jamais superavam. E enquanto as lembranças não cessavam por completo a ferida apenas aumentava, o buraco se tornando mais e mais largo, mais e mais profundo, engolindo cada pedacinho de felicidade que ainda pudesse existir dentro de si. E a cada dia ele morria, a cada característica esquecida ele perdia um pedaço de si.

Sabia que era impossível seguir em frente, mesmo que para todos os outros sua máscara de normalidade nunca houvesse saído do lugar. Era apenas ali, naquele seu santuário intocado pelo tempo, que ele finalmente se permitia desabar. Era apenas ali que sentia as pernas cederem diante do peso do mundo ― o peso da existência, do luto, da dor.

Era apenas ali, ajoelho no chão do local que uma vez havia chamado de lar, que ele finalmente aceitava sua sina: estava vivendo apenas para respirar.