Wednesday, March 21, 2012

O Signo dos Quatro

"Não posso viver sem trabalho mental. Haverá outra coisa pela qual valha a pena viver? Olhe para a janela. Já houve um mundo tão vazio, tão cinzento e deprimente? Veja como o nevoeiro rola pelas ruas, entremostrando as casas desbotadas.
Haverá algo mais irremediavelmente prosaico e material? De que me vale ter estas faculdades, doutor, quando não há onde exercê-las? O crime é banal, a existência é banal, e as outras qualidades que não sejam banais não têm qualquer função na face da Terra" Sherlock Holmes.

Friday, March 16, 2012

Day 3 — Your parents

Fiquei tentando lembrar a última vez em que escrevi uma carta pra ti. Foi há tanto, tanto tempo. Lembro que sempre fazia cartões de feliz aniversário, um desenho mal pintado de você e de mim, com flores, sol, nuvens e grama. Além das poucas frases na parte branca do papel.

"Eu te amo"
"Você é a melhor mãe do mundo"
"Feliz aniversário"
"Feliz dia das mães"


Sabe, você não é a melhor mãe do mundo. Acho que mesmo naquela época eu tinha noção de que algo assim nunca poderia existir. De que você não poderia simplesmente pegar todas as mães do mundo, comparar e eleger uma melhor. E ainda assim, você sempre foi a melhor pra mim. Mesmo com todos os teus defeitos e todas as nossas brigas. Você sempre vai ser a certa pra mim.

Porque você é a única que sempre vai estar comigo e que sempre vai precisar de mim (e eu sempre vou precisar de você). Mesmo que a gente se separe no futuro, que eu cresça, mude de cidade ou resolva começar uma familia. Você sempre vai ter um lugar ali.

Aliás, lembro de ti dizendo que uma das razões pra você tatuar o meu nome é que não existia isso de ex-filha, que gostando ou não, filhos eram eternos. Que nem todas as decepções do mundo iriam mudar isso. E dizendo que sou uma filha maravilhosa, me agradecendo como se eu fizesse muito esforço pra isso. Mesmo que eu não faça.

Não sou maravilhosa, nem uma boa filha, nem nada disso. Nem mesmo posso ser do jeito que você quer que eu seja. E eu realmente gostaria de ser. De verdade.

Mas no fim, é você que me aceita como eu sou. Sempre aceitou.

Confesso que demorei mais tempo pra te aceitar como pessoa. Porque mãe você sempre foi, mas quando realmente comecei a ver a pessoa além da mãe, não aceitei de primeira. Nós já brigamos tanto. Eu via todos os teus defeitos e pensava porque não podia ser diferente. Me perguntava porque você não podia ser mais responsável, menos mandona, menos super-protetora.

Hoje já não quero mais nada disso. Hoje acho que deveria é te dar os parabéns. Porque você se saiu muito bem como mãe. Mãe e pai, na verdade. Você fez o melhor que pode com o que tinha. E eu sei que você teria me dado até o Daniel Radcliffe embrulhado pra presente se pudesse, assim como você nem mesmo hesita em me deixar dormir com o seu travesseiro preferido. Ou sair de casa às nove da noite só porque eu estou com fome ou porque não tem mais coca.

Então mesmo que eu te odeie às vezes, saiba que o amor é sempre maior.

E que se eu ainda estou por aqui, é só por causa de você.

Thursday, March 15, 2012

"A música era um lamento, uma fuga ou terror dando voltas em si mesma em ritmos de dança hipnótica, sacudindo Nicki selvagemente de um lado para o outro. Seus cabelos desgrenhados brilhavam contra as luzes do palco. O suor de sangue brotava de sua pele. Eu podia sentir o cheiro de sangue.
Mas eu também me contorcia, encolhido no banco eu tremia de medo, tal como um dia aterrorizados mortais se encolheram de medo de mim naquela casa.
E eu sabia, sabia de uma maneira plena e simultânea, que o violino estava contando tudo que havia acontecido com Nicki. Era a escuridão que explodia, a escuridão que se dissolvia, e a beleza disso era como o brilho de carvão ardendo em chamas; luz suficiente apenas para mostrar quanta escuridão havia de fato" O Vampiro Lestat, página 224.

Happiness hit her like a bullet in the back

Happiness hit her like a train on a track
Coming towards her stuck still no turning back
She hid around corners and she hid under beds

13 de Setembro de 2005

Às vezes você acordava de manhã e sentia falta das correntes. Sentia falta do peso do mundo nas costas. Sentia falta de olhar para manhãs nubladas e sentir toda a melancolia da estação, de entrar em sintonia com ela. Você aos poucos ia se esquecendo de como se sentia antes. Esquecia-se do cansaço que era tão frequente, sentia falta do alivio de cada novo hematoma que surgia em sua pele. Sentia falta da deformação, dos sentimentos tortos e intensos que pareciam tão errados que você não era capaz nem mesmo de dizê-los em voz alta. Sentia falta do olhar tão gelado quanto o inverno, que te congelava de dentro pra fora. Que sabia tudo sobre você e não te julgava por isso.

Mas agora você era feliz.

Agora você era tão leve que podia até mesmo ser carregado pelo vento. Os dias eram quentes e tranquilos, havia um bom dia carinhoso e um beijo doce toda manhã.

E por algum motivo que fugia à razão você se sentia inquieto. Porque toda essa leveza e tranquilidade lhe eram estranhas. Sentia como se não estivesse mais no próprio corpo quando olhava no espelho e tudo que via era uma pele branquinha e algumas poucas e velhas cicatrizes, desaparecendo por culpa do tempo, esquecidas. Assim como ele.

Foi quando você percebeu qual era o verdadeiro problema.

A felicidade lhe parecia superficial demais, ela não tocava a alma. Você sabia que quando ela partisse não iria deixar nem mesmo marcas para serem lembradas e lamentadas.

Sentia falta da dor. Mas agora era ela pesada demais para o seu corpo leve como o ar, e você teria que aprender a conviver com sua ausência. Com esse vazio enorme que era a única coisa que te fazia voar.

Wednesday, March 14, 2012

The one I want tonight

You're my obsession
My fetish, my religion
My confusion, my confession
 

31 de Julho de 2002

Às vezes me pegava pensando sobre o verdadeiro motivo de ter continuado com Yuuji durante todos aqueles anos. Se eu procurasse por uma resposta lógica iria perceber que não havia uma. Tudo o que ele me dava se resumia a hematomas, cortes, arranhões e sexo. Não haviam beijos de despedida antes de sair pra faculdade ou pro trabalho, não havia conversas leves no café da manhã, nem carinhos no sofá, nem mesmo abraços. Não havia nada. Quando ele me queria ele me tinha e assim que se satisfazia parecia que eu não estava mais ali.

E mesmo assim não me iludi com relação a ele, porque nunca quis mais que aquilo. Estava satisfeito com o sexo, com os as manhãs silenciosas e com a ausência das conversas bobas e sem sentido.

Eu o conhecia desde que podia me lembrar e em todas as minhas memórias borradas de infância a única certeza que tinha era que ele sempre esteve ao meu lado, o calado e mal humorado Yuuji. Conhecia cada detalhe, cada gesto, cada fio de cabelo, cada expressão facial, tudo. Ele sempre foi parte da minha vida e nem conseguia imaginar como seria sem ele ali, me encarando em silêncio do outro lado da mesa, enquanto tomava chocolate quente - pois ele detestava café - naquela xícara azul anil, os cabelos presos em um rabo de cavalo baixo.

Era até engraçado pensar que todo o meu mundo se baseava nele, que sempre havia sido assim e que antes de conhecer Kai eu achava que sempre seria. Porque nunca quis amor (embora houvesse), nem beijos debaixo da chuva ou andar de mãos dadas na rua. Eu o queria exatamente como ele era e não precisava de nada além dele.

Tuesday, March 13, 2012

"Não, tenho que encarar a realidade, não tenho talento pra isso.
Consigo apreciar a arte e música, mas... é triste pra falar a verdade, porque sinto que tenho muito pra expressar, mas não tenho o dom" Cristina (Vicky Cristina Barcelona)