Sunday, December 1, 2013

Piece of Art

Acendeu um cigarro e encarou a obra-prima que havia criado. Levou horas para alcançar um resultado satisfatório e havia sujado toda a sua roupa durante o processo, o vermelho se espalhando principalmente pela sua blusa branca e pelo rosto pálido, mas havia valido a pena. O resultado havia ultrapassado as suas mais elevadas expectativas.

Jullie era uma bela garota. Tinha a pele clara, os olhos castanhos e expressivos e o cabelo, igualmente castanho, caia em uma grande cascata por suas costas, formando pequenas ondas no final. Ela tinha um coração gentil, estudava direito e sempre ajudava estranhos a carregarem suas caixas terrivelmente pesadas até o carro.

Se ela soubesse que era nesse pequeno fato que estaria seu maior erro teria pensado duas vezes em todas as boas ações que havia feito durante a vida, mas ela não tinha como prever o futuro e não conseguia conter a bondade natural que guiava suas ações. Ele não havia sequer se esforçado, bastou um simples pedido seguido de um sorriso tímido e já a havia ganhado sem hesitação.

Deu uma longa tragada e suspirou.

O corpo se estendia pelo chão em um ângulo pouco natural, um pequeno contorno branco rodeando-o, feito com giz e exatamente igual àquelas séries criminais que assistia em suas madrugadas insones passadas junto à TV. Ela estava nua, o vestido branco que usara mais cedo jogado em algum canto escuro, coberta apenas pelo próprio sangue que havia secado e formado uma segunda pele.

Seu momento preferido sempre era quando elas percebiam aonde haviam se metido. A expressão de surpresa que tomava seus rostos apenas por instantes antes que o pânico se instalasse em cada fibra do seu ser. O olhar assustado e aterrorizado que ela lhe lançavam. Algumas suplicantes, outras orgulhosas demais para implorar.

Jullie era uma das que havia implorado. Havia suplicado e chorado um mar de lágrimas, enquanto os soluços faziam seu corpo tremer e sacudir. Era incrível como ela ainda parecia bonita mesmo quando seu rosto se desfigurava em pranto, permitindo que as lágrimas escorressem por sua bochecha e terminassem se acumulando em algum ponto do seu vestido branco.

Mas ela ficara ainda mais bonita agora que já não chorava ou se movia. A última expressão de sua alma eternizada naquele frágil corpo fazia tudo parecer especial. Único. Era como se eles estivessem conectados por algo que ultrapassava os limites da vida. Uma sensação que ele não conseguia explicar e que certamente não cabia em palavras.

Ele apenas ficava ali, parado, tragando tranquilamente seu cigarro com as mãos sujas de sangue, encarando seu mais recente trabalho por horas a fio. E enquanto analisava cada corte que havia feito na jovem – cento e vinte e três ao todo, ele sempre contava – e as diversas tonalidades e padrões que o sangue seco em seu corpo formava, ele sentia como se tivesse se aproximado um pouco mais da perfeição.
Ela era como o próprio Sol, sua luz iluminava tudo ao seu redor e até os cantos mais obscuros eram atingidos por ela, embora você jamais conseguisse encará-la nos olhos por mais que alguns segundos sem atrair a cegueira, tampouco tocá-la sem se queimar.

Assim como o Sol ela pairava imponente acima de todos, inalcançável.

Tão essencial e tão sozinha.