Friday, November 22, 2019

hello again

É ferida aberta, meu amor.

Ferido sim, porque a vida lhe bateu tanto, tanto e nunca houve ninguém para salvá-lo — dizem que os fortes não precisam de proteção, mas você, Hiroki, sempre foi fraco. Menor que os outros, pior que os outros, franzino, magrelo, pele alva, tão alva, que convidava a violência, mesmo antes de ter recebido o primeiro tapa. Talvez tenha até merecido, talvez apenas sejam assim que as coisas são: uns precisam descer até o inferno e lá permanecer.

[E se não você, quem mais?]

Em algum momento chegou até mesmo a tomar gosto pela coisa, veja só, e agora só sabe se expressar através de violência. Ossos que se partem com a força dos golpes e hematomas esverdeados que levam semanas inteiras para curar — e as cicatrizes, ah, elas estão n’alma, porque mesmo que o corpo seja capaz de se curar sozinho, ainda sobra resquício que se espalha dentro de você como veneno e alimenta o ciclo vicioso daquilo que se tornou.

[Yuuji te entende tão bem, você pensa
Ele te dá tudo aquilo que você não tem coração de pedir]

Merece até, merece sentir a dor porque ela é a única prova de que ainda há ar em seus pulmões e sangue lhe correndo o corpo. Precisa que faça doer para sentir que está vivo, que sequer chega a existir — afinal, a realidade é tão traiçoeira. Nebulosa. Você não pode confiar nela tão mais do que pode confiar em si próprio; são ambos feitos de pedaços desordenados, cuja a narrativa se faz por jogo de farsa e ocultação.

Mas a dor lhe traz à superfície e impede de se afogar. É tudo aquilo que restou, que você se sente no direito de roubar. E se é um fardo a carregar, ao menos é seu e somente seu.

De mais ninguém ninguém.

(Escrito em 11 junho de 2018)