Sunday, July 14, 2013

Sobre lugares aos quais não pertencemos.

Ela não gostava das pessoas de sua cidade. Talvez porque não gostava da própria cidade e lhe parecia lógico não gostar da pessoas que ali viviam, já que uma cidade é feita por muito mais do que seu terreno ou sua posição geográfica, é feita por seus habitantes. Por seu governo também, é claro, mas o que seria o governo se não um punhado de pessoas de uma cidade?

Bem, o fato é que ela nunca gostou nem das pessoas, nem da cidade. Nada ali lhe agradava. Desde sua infância ela sempre sentiu uma aversão profunda e verdadeira pelo local onde nascera, a ponto do pensamento ter se enraizado tanto em sua cabeça, ao longo dos anos, que era impossível ver uma qualidade sequer naquele pedaço de mapa. Ela só via os defeitos. As ruas que eram esburacadas e sujas, os prédios históricos eram acabados e abandonados, o governo era corrupto e a má educação parecia contagiar todas as pessoas na hora de pegar transportes públicos: ninguém esperava os passageiros descerem antes de se forçarem para dentro do veiculo ou cediam o lugar a uma pessoa de mais idade ou alguém carregando sacolas pesadas. Não havia exposições de arte, museus ou show de bandas famosas. Não havia opções de lugares acessíveis para se divertir. Poderia-se até dizer que era um lugar esquecido por Deus.

Mas curiosamente havia pessoas que gostavam de morar ali. Ela não conseguia entender, de verdade. Durante todos os seus anos de vida havia detestado tanto aquele lugar que não entrava na sua cabeça que alguém pudesse nutrir sentimento oposto. Não fazia sentido. Como aquelas pessoas conseguiam se contentar com uma vida daquelas? Bem, não importava de verdade. Não cabia a ela julgar as motivações e afeições dos outros, apenas cuidar das suas. Que todos aqueles que gostavam daquele fim-de-mundo continuassem ali, felizes e satisfeitos com suas vidas. Ela não conseguiria. Acharia um jeito de sair dali o mais rápido possível, antes que enlouquecesse.

E ela sentia que já estava ficando maluca, só que de tristeza. Às vezes ela acordava de manhã e ao lembrar de onde se encontrava não tinha vontade nem de levantar da cama. Muitas noites ela chorara em desespero, sabendo que não poderia ir embora tão cedo. Seus pais diziam que ela era muito nova, muito dependente, muito inexperiente. Ela teria que crescer primeiro, atingir alguma estabilidade financeira, para só então começar a planejar sua fuga. Fuga. Poderia parecer exagero, mas tudo o que aquela cidade representava para ela era uma prisão, algo que a impedia de atingir sua liberdade, que lhe afastava do mundo que queria viver, conhecer e experimentar. Ela mal podia esperar sair pela porta velha da casa que vivia com sua família e nunca mais voltar. Não sentiria falta. Não da casa, ao menos. Talvez sentisse falta dos seus familiares, já que comparado com o resto das pessoas dali eles eram legais. Boas pessoas. Mas ela não sacrificaria a própria felicidade para permanecer junto deles. Não venderia sua liberdade nem pelas pessoas que amava.

Assim que ela tivesse colocado seus pés para fora daquele local horrendo ela finalmente seria feliz, sabia que seria. Tinha que ser. Ela se mudaria para uma cidade nova e conheceria pessoas realmente legais, pessoas que iriam entendê-la, e faria amigos. Poderia ir para todas as exposições de arte, museus e shows que quisesse. Andaria em ruas limpas e as pessoas seriam educadas. Ela talvez até levasse sua família para morar naquele lugar bonito. E quando eles tivessem todos juntos naquele lugar mágico, já não brigariam ou se desentenderiam mais. Afinal, não teriam do que reclamar, seriam completamente felizes. Estariam na mais absoluta paz e harmonia.

Ao menos, era isso que ela pensava aos dez anos.

Aos quatorze essa imagem de perfeição começou a ser manchada pelo contato com pessoas de outras localidades, que eram tão infelizes quanto ela, e por uma consciência crítica mais apurada. Ela não era mais tão sonhadora assim, sabia que existiam lugares bem piores que aquele que nascera, mesmo que isso não tornasse sua realidade mais suportável.

Aos dezoito, quando ela finalmente terminou a escola, já não tinha mais grandes esperanças. Sua situação financeira não melhorara e ela descobrira que crescer não havia sido o bastante. Ela teria que trabalhar, juntar dinheiro e planejar. E fez tudo isso, mas a cada dia que passava sua tão esperada fuga parecia mais distante e borrada, esquecida em meio as brumas do tempo.

Aos vinte cinco anos, ela finalmente desistiu de plano tão descabido, se conformou com a vida que levava e se convenceu de que mesmo que se mudasse de cidade seus problemas não sumiriam. Que aquela vida luxuosa e feliz que via nas novelas nada mais eram que ilusões, que o mundo era assim mesmo, cheios de ruas esburacadas, cidades mal cuidadas e pessoas infelizes.

Aos quarenta, ela comprou uma casa, no mesmo bairro que seus pais moravam, e finalmente se livrou do aluguel. Viveu uma vida desbotada naquela cidade que tanto odiara. Já não tinha forças para sair dali. Já não tinha forças nem mesmo para odiar.

N/A: 30 Days Writing: Day 17 — Descreva um lugar ou alguém que não goste.

Saturday, July 13, 2013

Além da salvação

O que realmente a incomodava em psicopatas era o quanto eles eram convincentes. Educados, gentis, com bons modos. Era até mesmo difícil imaginá-los prejudicando, machucando ou até mesmo matando alguém, era difícil se fazer acreditar que nada do que eles demonstravam era verdade, que tudo não passava de fingimento – um fingimento de altíssima qualidade – e que na verdade eles não sentiam nada daquilo. Nenhuma empatia. Nenhum sentimento. Nada. Eram completamente vazios.

Mas eles usavam aquela qualidade que não possuíam ao seu favor. Eles te faziam sentir empatia por eles e obtinham sucesso todas as vezes. Afinal, olha para a maneira bonita como ele fala, sempre tão arrumado, tão educado. Como alguém assim pode ser mal? Como pode me prejudicar?

Bem, eles podem. Quando você menos esperar você vai estar chorando no meio de um apartamento vazio e com a conta bancária zerada. Talvez, mas não era tão comum como os filmes de TV faziam parecer, seu corpo até mesmo fosse encontrado em algum beco escuro e esquecido por Deus.

Era nisso que tinha que se focar, nas consequências que baixar a guarda lhe causaria, mesmo que fosse apenas por algum segundo, um milésimo de segundo. Tinha que se manter sempre firme e focada. Era isso que a fazia uma boa investigadora, no final das contas.

Ela podia lidar com todos eles, com os que gritavam e tentavam lhe atirar coisas, com os que ameaçavam sua vida, com os que negavam e com os que ficavam calados por horas a fio. Mas era sempre desconcertante lidar com os educados. Com os que mantinham o sangue frio tanto quanto ela. Eles lhe causavam verdadeira dor de cabeça e a levavam a exaustão, tinha que ser mil vezes mais esperta, pois sabia que eles se mantinham atentos a todas as suas palavras, prontos para as usarem contra ela, como se ela fosse a interrogada ali e não eles.

Ah, perdera a conta das vezes que havia perdido a paciência quando era mais jovem. Já havia perdido a compostura, xingado e até mesmo, em um acesso de fúria descontrolada, tentado agredir um suspeito. Já havia sido tirada da sala de interrogatório à força, enquanto ele mantinham um sorriso divertido no rosto, zombando de sua fraqueza. “Acalme os seus nervos e volte daqui a algumas horas” o seu superior costumava lhe dizer, contrariada ela obedecia e saía chutando a primeira coisa que encontrava pela frente, a raiva borbulhando dentro de si com uma fúria capaz de devastar o país inteiro.

Mas se alguma coisa tinha lhe servido todos aqueles anos no FBI havia sido para lhe dar total controle sobre suas emoções. Depois de tanto quebrar a cara, ela finalmente havia aprendido a não se importar. Hoje, quando ela entrava em uma sala de interrogatório, sabia lidar até mesmo com o mais charmoso Ted Bundy. Sabia entrar nos jogos deles, pensar como eles – e às vezes se perguntava com um leve desespero se estaria se tornando como eles –, sorrir cordialmente e manter a classe.

Os anos a haviam endurecido de tal forma que nem mesmo os crimes mais hediondos lhe chocavam, ela poderia lidar com o próprio Hannibal Lecter sem nem mesmo piscar. Ela havia dedicado sua vida para aprender todos os truques daqueles monstros, para entrar em suas mentes, pensar e agir como eles. Em cada pessoa via uma vítima em potencial, em cada local uma cena de crime, em cada atitude suspeita um possível assassino.

Já não havia mais volta.

Ela olhava para os retratos de dez anos atrás e não reconhecia a menina sorridente e despreocupada que fora um dia. Agora tudo o que ela via eram sombras por todo lugar. Seu mundo colorido havia se tornado negro e as pessoas, antes tão alegres e vívidas, não passavam de seres mesquinhos e capazes dos atos mais vis e desumanos.

E se quando adolescente ela havia sido uma jovem ambiciosa que queria mudar o mundo, acreditando que no fim o bem sempre vencia o mal, hoje ela nada mais era do que uma adulta cansada que havia perdido completamente a fé na humanidade. Hoje ela olhava o mundo pelos olhos dos assassinos, psicopatas e loucos. E já não havia nenhuma beleza nele. Para cada serial killer que ela colocava atrás das grades havia mais duzentos e noventa e nove ativos só nos Estados Unidos.

Era desesperador. O mal crescia em cada canto escuro, em cada sombra e preenchia tudo. Ele triunfava diariamente. Porque a verdade era que aquele mundo que ela queria tanto salvar já estava perdido. E a batalha já havia sido perdida há muito, muito tempo, mesmo antes dela nascer.

Não havia mais nada a ser salvo.

Para aproveitar a vibe:

"Why do they blame me for all their little failings? They use my name as if I spend my entire day sitting on their shoulders, forcing them to commit acts they would otherwise find repulsive. 'The Devil made me do it.' I have never made one of them do anything. NEVER. They live their own tiny lives. I do not live their lives for them. And then they die, and they come here (having transgressed against what they believed to be right), and they expect us to fulfill their desire for pain and retribution. I don't make them come here. They talk of me going around and buying souls like a fishwife come market day, never stopping to ask themselves why. I need no souls. And how can anyone own a soul? NO. They belong to themselves... they just HATE to have to face up to it." Lucifer - The Sandman: Season of Mists, Neil Gaiman

Corpse Bride

Ele sempre gostou de cadáveres. Mas não se preocupe, essa não é uma historia sobre assassinatos, nem mesmo sobre um serial killer louco e perigoso, pois, apesar do seu gosto peculiar, William nunca havia tirado a vida de ninguém, nem mesmo de animais. Nem precisava. O cemitério em que seu pai trabalhou como coveiro durante boa parte de sua infância e adolescência era cheio deles, todos os dias eram realizados os mais diversos tipos de enterros: homens, mulheres, jovens, idosos, gente de todo tipo e todas as classes sociais. Eles se estendiam por quilômetros abaixo daquela grama verde e bem cuidada, esquecidos por todos, mas não por Will. Ele crescera correndo e brincando por toda a extensão daquele velho cemitério conhecia todos os habitantes dali. Era, inclusive, o mais perto de amigos que ele jamais tivera.

Desde a mais tenra idade o cheiro de formol presente nos corpos embalsamados lhe causava uma estranha sensação de paz. Era o cheiro de casa, do lugar do qual ele pertencia. Talvez tenha sido essa criação tão incomum a responsável pelo desenvolvimento dos hábitos estranhos que adquiriu durante a vida adulta, mas ninguém tinha como saber ao certo e ele não se importava com as causas ou motivos, só sabia que era daquele jeito e que sempre seria.

Por isso, assim que atingiu vinte anos conseguiu um trabalho como assistente de legista em um necrotério na periferia da cidade e se afastou do cemitério onde havia passado a infância. As tardes a céu aberto com longos discursos, roupas pretas, lágrimas intermináveis e terra, muita terra, agora eram preenchidas dentro de uma sala pequena. Claustrofóbica para todos os que não eram dali, mas para William aquela pequena sala de paredes brancas, frias e impessoais havia se tornado rapidamente seu segundo lar.

Pois apesar do silêncio mortal, ele nunca estava só. Ainda tinha a companhia de seus tão queridos cadáveres, mesmo que não fossem os mesmos de antes, mesmo que o tempo que passavam juntos fosse menor. Havia se acostumado rapidamente com os novos amigos que encontrou ali, amigos que iam e vinham, já que dificilmente um corpo permanecia mais do que três ou quatro dias no necrotério, mas que eram tão queridos quanto seus amigos antigos. De fato, aquela sala proporcionou uma intimidade que ele não tinha em seu lar anterior, onde eles sempre eram separados por montes e montes de terra. Havia algo de mais especial naquele lugar, mais íntimo. Ele podia tocar, cheirar, apalpar e o que mais gostava de fazer, quando estava sozinho, era deslizar os dedos pelos corpos novos que chegavam, para sentir a textura e a dureza daquela pele azulada.

Ah! E aquela pele gélida fazia calafrios descerem por sua espinha. Os corpos eram sempre lindos não importando a causa da morte, ele aprendera a ver a beleza de furos de bala e corte de facas da mesma maneira que em infartos e overdoses de drogas. Sentia uma excitação crescente ao mínimo som do choque entre os instrumentos esterilizados, que só não era melhor que o rasgar silencioso que as lâminas faziam quando penetravam a carne pútrida e morta. E quando o legista chefe o deixava chegar perto dos corpos com um bisturi na mão era como se Will atingisse o êxtase. Ele sabia que era o único que se sentia assim, que todos os outros achariam seu trabalho, no mínimo, macabro e doentio, mas era tudo o que ele sempre quisera fazer na vida.

E então, quando achava que não poderia ficar melhor, ela chegou. Cinza, rígida e fria. Nunca descobriu seu nome, já que era um desses corpos sem identificação encontrados em becos escuros e lugares onde nenhum cidadão decente frequentava. Essa, em especial, havia morrido por overdose de drogas. Durante algum momento de sua breve vida havia experimentado heroína e sucumbido ao prazer rápido e fácil que a droga lhe proporcionava. Seu rosto ainda conservava a última expressão que havia feito, um misto de prazer e terror. Ela deve ter percebido, em meio as viagens proporcionadas pelo vício, que daquela vez havia exagerado. Talvez, quem sabe, tivesse tido tempo de tomar consciência da própria morte antes que a droga finalmente fizesse seu corpo colapsar.

Mas não importava agora, ela estava morta e tudo que Will conseguia pensar é que ela era a mulher mais bonita que ele já havia visto. Sua pele ainda não estava tão azulada, nem tão decomposta, e seus cabelos negros criavam um contraste harmonioso com o resto de seus traços. Seus olhos estavam vazios e sem foco, é verdade, mas ele conseguia visualizar os expressivos olhos castanhos que ela havia possuído em vida. Os pálidos lábios carnudos deviam ter sido de um vermelho vivo e o vestido curto e vulgar que usava quando chegou ali deveria ter sido a mais poderosa arma de sedução já criada.

William sentiu uma pontada em seu baixo ventre. Deslizou os dedos por seu braço inerte delicadamente, mas parou a caricia abruptamente assim que a porta foi aberta e o médico legista entrou no aposento, indiferente a presença de seu assistente. Ele havia tirado folga fora de época, deixando Will encarregado de boa parte das tarefas do necrotério, e agora havia acumulado autopsias, de modo que só poderia mexer naquela garota dali a cinco dias.

Cinco dias. Parecia a contagem para sua execução. A simples idéia de ter alguém tão medíocre cortando e mutilando aquele corpo perfeito fez Will entrar em pânico. Como ele poderia deixar o corpo dela ser profanado de tal forma? Não, não poderia. Foi então que, de modo impulsivo, decidiu que a roubaria. Era isso! Ele entraria na calada da noite e tiraria sua amada das mãos daqueles idiotas incompetentes. Se ela permanecesse consigo ninguém nunca mais lhe machucaria ou lhe faria mal, ele cuidaria dela da melhor forma que conseguisse. Eles seriam felizes juntos, sabia que sim.

Mas até então ele não poderia imaginar que não havia maneira de salvá-la. Que nem mesmo todo o seu amor seria capaz de impedir que seu corpo se deteriorasse. Afinal, assim que a vida é sugada seu receptáculo começa a apodrecer. Era um processo natural e inevitável. E nenhum dos enterros que assistiu durante o decorrer de sua vida lhe doeu tanto quanto a consciência daquele fato. Ele sentia seu coração pesar ao pensar que ela perderia aquela bela forma e viraria um monte de carne fétida e pútrida. Irreconhecível.

Ainda assim, Will não conseguia deixar de amá-la. Nem mesmo as reclamações dos vizinhos acerca do cheiro que saía de seu apartamento conseguia aborrecê-lo. Ele não se importava com cheiro, não enquanto pudesse ficar com ela. Mas vê-la se deteriorando mais e mais a cada dia que passava fazia algo dentro dele morrer ao poucos. E quando ele percebeu que em algum momento já não restaria nada dela, entrou em desespero. Não aguentaria o sofrimento. Mas tampouco era capaz de abandoná-la.

Ele sabia que a única solução para por um fim na sua dor era juntar-se a sua amada na morte.

Foi com grande determinação que ele pegou a pistola escondida debaixo do colchão e sem nenhuma hesitação colocou o cano na boa, dando uma última olhada para ela antes de apertar o gatilho. Foi simples assim, um estampido e tudo estava acabado. Ele finalmente se juntaria não só a sua amada, mas a todos os amigos que já tivera na vida.

Foi nos últimos instantes, enquanto perdia a consciência e sangrava no chão do quarto, que Will finalmente conseguiu ultrapassar a barreira que o separava de todos os que amava e conseguiu alcançar a verdadeira felicidade. Porque agora ele sabia: nunca houve nada que ele tivesse desejado tanto quanto morrer.

Wednesday, July 10, 2013

Day 22 — Someone you want to give a second chance to


Eu sabia que acabaria falando de você em algum momento. E se eu for sincera, sabia que seria exatamente nesse post. Porque você foi minha melhor amiga e, ao contrário das outras que ocuparam o cargo antes, a que mais me deixou saudade.

Eu lembro das nossas conversas, de como a gente costumava conversar o dia todo, o tempo inteiro, sobre qualquer coisa. Eu lembro da sua voz cantando uma música qualquer no skype. E lembro de você de cabelo vermelho (minha eterna rita lee), de cabelo loiro e de cabelo preto. Eu lembro de você de várias formas. E cada vez que lembro sinto uma dorzinha lá no fundo porque queria aquele tempo de volta. Queria continuar próxima de você.

Aliás, nem sei porque a gente se afastou, só sei que aconteceu. Não sei de quem foi a culpa, mas durante muito tempo achei que tinha sido minha. Hoje já penso que a culpa é da vida, sabe. Que as pessoas vem e vão e temos que nos acostumar com isso, porque o mundo não vai parar para que possamos lamentar pelo que foi perdido.

Mas eu tenho vontade de voltar a falar com você como antes, de ser sua amiga como antes. Afinal, foi para você quem eu mandei a minha primeira carta, cheia de brilho e canetas coloridas e acho que tinha até um desenho mal feito. E não conta pra ninguém, mas ainda guardo o recibo dessa carta na carteira, a tinta já saiu e atualmente é só um papel amarelado, mas ele continua importante. Assim como você.

Porque você pode até estar morando em outro país agora, pode até ter novos amigos, piores e melhores do que eu fui, mas saiba que você vai ser sempre ser ichiban.

Com amor,
Miih

A letter

Ei, sis. Como você está passando?

Sabe, outro dia eu estava me lembrando de quando prometemos que nunca deixaríamos que ninguém nos separasse. Você lembra? Aposto que sim. Dizíamos que ficaríamos juntas para sempre e, quem sabe, a gente até dividisse o mesmo namorado que nem aquelas gêmeas de filmes faziam. Hoje parecem promessas bobas, não é? Como se só porque nascemos no mesmo dia e na mesma hora estivéssemos destinadas a permanecer juntas. Porque se você parar para perceber, vai ver que nós nunca fomos iguais. Na verdade, fomos crescendo e nos tornando o verdadeiro oposto uma da outra.

Ainda me lembro de todas as vezes que você ficava chateada por eu bagunçar o nosso quarto, dos sermões que você me dava quando eu tirava uma nota baixa. Queria que as coisas tivessem continuado simples como eram naquela época, sabe? Queria que a única coisa que nos separasse fosse um quarto bagunçado ou um D em algum prova idiota. Mas tudo ficou tão maior que isso.

Não lembro exatamente quando a nossa promessa se quebrou. Talvez tenha sido quando você ficou do lado dos nossos pais, e não do meu, pela primeira vez. Talvez tenha sido quando eu comecei a andar com aqueles... Como era mesmo que você chamava?... “Punks”. É, acho que era isso. Ou quanto eu pintei o cabelo de rosa e a primeira coisa que você disse foi “Nossa, tá horrível!” e eu tive vontade de rir para não chorar, mas tudo que fiz foi jogar o travesseiro na sua cara.

Porque sabe, costumava ser nós duas contra o mundo. Sempre foi assim. E eu só aguentei tanto tempo naquela casa idiota porque ainda tinha você e eu achava, muito inocentemente, que sempre teria você. Mas o laço que nos unia, que sempre pareceu tão firme e inquebrável, foi se afrouxando aos poucos, até se soltar de vez. Eu sei que parece que foi de uma hora pra outra, que um dia eu acordei e descobri que não conhecia a pessoa que dormia ao meu lado, mas não foi. E quem sabe, se eu tivesse prestado mais atenção, perceberia que todas as nossas brigas nada mais eram do que a natureza mostrando que apesar de termos a mesma aparência nós éramos pessoas incompatíveis.

Mas eu não quis acreditar. Eu fechei os olhos completamente para o nosso lento distanciamento e só abri, assim de uma vez, como quem leva um susto, quando você decidiu virar as costas para mim.

“Não”

Foi tudo o que bastou. Nem lembro direito o que veio depois, provavelmente algo como “Você ficou maluca? Eu não vou fugir de casa com você”, mas o complemento da frase não machucou tanto. Foi aquele “não” que desabou nas minhas costas com todo o peso do mundo. Foi aquele “não” que me fez perceber que eu estava sozinha. Pela primeira vez na vida. E o que eu fiz? Eu fugi. Eu realmente fugi como disse que faria, mas te deixei para trás.

Mantive-me longe todos esses anos. Não porque eu não tenha sentido falta (porque você sabe que senti, como espero que você tenha sentido também), mas porque não fazia ideia de como me reaproximar. Não sabia nem se queria. Porque, no final de tudo, talvez eu fosse um pouco rancorosa.

Isso fez com que eu passasse horas e horas olhando para essa folha de papel em branco pensando no que escrever. Em dúvida se me desculpava ou exigia desculpas. Mas qual a diferença que uma simples palavra pode fazer depois de tanto tempo, tantos anos? Não. Não vou exigir desculpas (nem pedir) como se isso resolvesse e apagasse tudo, porque o mundo não é assim e acho que nós já aprendemos isso.

Nós não ficamos juntas para sempre, nem dividimos nenhum namorado. Mas o amor que eu sinto por você continua aqui, mesmo que velho e desgastado. Espero que ele ainda esteja ai também.

E o que eu queria nessa carta era que a gente tirasse um pouco ele daquela gaveta feia e sem brilho no qual o trancamos e tirássemos o pó. Até, quem sabe, ele voltar a bater um pouquinho. Porque ele não morreu, Allison. E nunca vai morrer.

Porque irmãs são pra sempre.


Com amor,
Addison


Esse post faz parte do 30 days writing.
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