Tuesday, April 10, 2012

Marte

"Será que você é um alienígena?"

"Claro, Cecília. Sou de marte, nunca te falei?"

"To falando sério, Max! Vai saber, você não sabe nada do seu passado, você simplesmente aparece em um lugar e depois no outro e você não envelhece!"

"Essa é a definição que tem no dicionário sobre alienígenas? Ainda não tinha visto"

"Bem, o doctor é assim!"

"Agora você está me comparando a um personagem maluco de série de TV. E só pra constar, o Doctor tem uma nave que viaja o tempo e o espaço, ele não simplesmente se teletransporta pelo tempo"

"Ele viaja pelo tempo de qualquer maneira. E não envelhece!"

"Você tá meio obcecada nisso de não envelhecer, né"

"Bem, sou mais o seu estilo do que o do Edward Cullen, ele é imortal, mas brilha no sol"

"É. E não se esqueça do Lestat de Entrevista com o Vampiro"

"Estou tentando ter uma conversa séria com você aqui"

"Não está tendo muito sucesso nisso"

"Só porque você é um chato que não quer abrir a mente para as possibilidades"

"Possibilidades de ser um alienígena vampiro?"

"NAAH. Só alienígena mesmo"

"Bem, acho que devo ter perdido minha nave em algum lugar"

"Qual lugar bom para esconder uma nave?"

"Você está fazendo a pergunta errada. A gente primeiro tem que descobrir um ano bom para esconder uma nave"

"Ok, agora complicou. Parece que você foi esperto ao esconder a nave. Agora não vai poder voltar para o seu planeta"

"Não tem problema, sou mais você do que os marcianos"

I will never forget

      I.
Às vezes você para no velho café perto do centro e senta na última mesa da fila, onde consegue observar todos no lugar e mesmo assim passar despercebido. Dessa vez você escolheu o dia 15 de março de 2003. É uma manhã clara com poucas nuvens no céu, a imensidão azul se estende acima da cidade, o verde do pequeno parque do outro lado da rua parece combinar perfeitamente com o céu claro e o vento frio da manhã. Uma garota morena está sentada na mesa em frente a sua lendo um livro grosso de capa preta. A atendente simpática usa um avental azul escuro e tem o cabelo preso num rabo de cavalo. Um cara de camisa vermelha toma sorvete do outro lado da rua. Os carros estão passando em velocidade pela avenida.

Você olha o relógio.
07h23min.

Ela vai chegar exatamente às 07h32min. O sino da porta vai tocar anunciando sua chegada, como seria com qualquer outro, e como qualquer outro ela vai se dirigir ao balcão e pedir um chocolate quente com dose extra de açúcar (ela sempre teve essa mania de adoçar tudo demais). A atendente vai sorrir e passar o troco. E ela vai abrir o primeiro sorriso do dia. Quando ela sorri parece que se ilumina e o sorriso dela combina particularmente com o dia de hoje, claro e esperançoso. Ela está usando uma calça jeans meio surrada, uma bota estilo cowboy cor de areia que chega até um pouco abaixo do joelho, uma regata branca simples e você sabe que ela tem um casaco extra na bolsa, porque ela sente frio fácil. Ela sempre vai desse jeito pro trabalho: calça jeans, camiseta ou regata, botas ou tênis. O cabelo loiro ondulado ainda está comprido, caindo pelas costas e ela o amarra em um coque desajeitado logo que se senta à mesa. Ela sempre vai naquele café antes de ir trabalhar. Ela trabalha numa biblioteca e costuma dizer que é o melhor trabalho do mundo porque ela pode ler o dia inteiro e é sempre calmo e silencioso. Ela está lendo agora, por sinal, "O Retrato de Dorian Gray". Passa bom tempo concentrada no livro quase se esquecendo do chocolate quente em cima da mesa.

Você sabe que quando ela estiver saindo vai tropeçar nos próprios pés, mas antes de cair vai recobrar o equilíbrio, tudo isso sem deixar uma gota do que resta do chocolate cair. Ela é tão desastrada quanto boa em evitar a queda no último instante. Você também sabe que ela nunca consegue tomar o chocolate quente todo, “doce demais!” reclama em eterna contradição.

É, você sabe um monte de coisas. Mas se contenta em observar só de longe, tirando uma vez ou outra onde se atreve a sentar uma mesa mais perto ou segui-la pela rua, mas nunca perto o suficiente pra que ela perceba a sua presença. Ela ainda não te conhece. E você sabe que tem que parar de espioná-la quando vê uma duplicata sua do outro lado da rua quando sai do estabelecimento atrás dela.

Ou escolher outros dias. Você não sabe bem o porquê, mas sempre acaba vindo pra março de 2003. Isso foi mais ou menos dois anos antes de vocês se conhecerem. Antes de você mudar completamente a vida dela (e ela mudar a sua).

Só quando ela entra no prédio grande e imponente que é a biblioteca central que você decide que é hora de ir embora. Como fumaça você desaparece, deixando apenas o vazio em seu lugar.

Sunday, April 8, 2012

Não sei o que eu esperava - o que eu espero - da vida. Mas definitivamente não é isso.